Queridos amigos e amigas, mais uma vez, queremos nos colocar na presença de Deus e ouvir os apelos que a sua Palavra nos faz. Façamos memória da presença da Trindade Santa em nosso meio. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Que o Espírito de Deus nos conduza nos seus caminhos e que a vivência da misericórdia nos mova em direção às nossas irmãs e aos nossos irmãos.
Rezando e refletindo o livro do profeta Miqueias, tomamos conhecimento da realidade sofrida dos camponeses, especialmente com a exploração das elites dirigentes de Jerusalém do século VIII a.C. Inspirado pelo Espírito de Deus, Miqueias ergue seu grito contra chefes, magistrados, sacerdotes e os profetas da religião oficial.
Dando continuidade ao nosso estudo, reflexão e oração a partir do testemunho de Miqueias, a aula de hoje tem como tema: “Caminhar com Deus”.
O que significa caminhar com Deus? Cada pessoa pode dar a sua resposta e postá-la na caixa de comentário, mas, acima de tudo, caminhar com Deus é “praticar o direito e amar a misericórdia”. Caminhar com Deus é assumir o seu projeto de vida plena para todas as pessoas.
2- Motivando a aula de hoje
“Certa vez, um rapaz entrou numa loja e viu um senhor no balcão. Maravilhado com a beleza do lugar, perguntou-lhe:
— Senhor, o que se vende aqui?
— Todos os dons de Deus.
— E custam muito? — voltou a perguntar.
— Não custam nada. Aqui tudo é de graça.
— Por favor, quero o maior jarro de amor de Deus, todos os fardos de perdão e um vidro grande de fé, para mim e para toda a minha família.
- Então, o senhor preparou tudo e entregou-lhe um pequeno embrulho. Incrédulo, ele disse:
— Mas como pode estar aqui tudo o que pedi?
o senhor lhe respondeu:
— Meu querido irmão, na loja de Deus não vendemos frutos, só sementes. Plantas”
Qual é a sua vivência do amor e da gratuidade de Deus?
3 - Situando o texto
O texto de Mq 6,2-7,7 provavelmente foi produzido em Israel, no reino do Norte, nos reinados de Amri e Acab, entre o século IX a.C. e a queda da Samaria, em 722 a.C. Mais de 150 anos de corrupção, injustiça, espoliação e violência do Estado contra o povo. Durante esse tempo todo, os reis utilizaram e abusaram da religião oficial com seus deuses: deus Javé ou deus Baal ou outros deuses. Instruíram, através dos sacerdotes e profetas oficiais da corte, a população camponesa a participar do culto e oferecer sacrifícios para garantir boas colheitas. É a religião do ritualismo, pela qual o Estado legitima seu poder e se enriquece cada vez mais, enquanto o povo empobrece e é escravizado em nome de Deus. Os profetas do povo, como Amós e Oseias, condenam essa religião oficial e chamam o povo a voltar a ser fiel a Javé do Êxodo, Deus compassivo e libertador dos pobres (Ex 3,7-9). A verdadeira religião brota da celebração da vida plena para todas as pessoas. Antes de seguir o seu estudo, leia Mq 6,1-8 e veja a reação da profecia contra a religião oficial e responda as seguintes perguntas:
a) Quais são os sinais da fidelidade de Javé?
b) Por que Javé abre um processo contra o povo?
c) O que Deus espera das mulheres e dos homens como sacrifício perfeito e agradável?
3.1 - Situando o texto: A religião como instrumento ideológico do Estado
“Você obedece às ordens de Amri e todas as práticas da família de Acab, e vive conforme os princípios dela. Por isso, eu entregarei você à destruição, e seus habitantes receberão zombaria. Vocês terão de suportar a desgraça do meu povo” (6,16).
O texto de Miqueias 6,2-7,7 possivelmente foi produzido no reino do Norte https://leituraorante.comunidades.net/37-o-reino-do-norte-e-seus-profetas-931-a-722achttps://leituraorante.comunidades.net/37-o-reino-do-norte-e-seus-profetas-931-a-722ac, representado aqui pelo rei Amri e Acab, e descreve a situação de corrupção, violência e injustiça generalizada em Israel:
"Acaso posso tolerar a casa do ímpio com seus tesouros ganhos injustamente, com suas medidas falsificadas e detestáveis? Acaso devo desculpar balanças viciadas, sacolas cheias de pesos adulterados? Os ricos prosperam com a exploração, seus habitantes só falam mentiras e têm na boca uma língua mentirosa” (6,10-12).
Balanças viciadas, pesos adulterados, língua mentirosa no cotidiano do povo. Mentira, exploração e violência atingem até a casa: “E vocês, não acreditem no amigo, não confiem no companheiro. Conserve a boca fechada, mesmo ao lado daquela que dorme no seu ombro. Pois o filho insulta o próprio pai, a filha se revolta contra a mãe, e a nora contra a sogra. E os inimigos de uma pessoa são da sua própria casa” (7,5-7).
Todos esses males seguem, segundo o autor de Mq 6,1-7,7, a prática de Amri (885-874 a.C.) e Acab (874-853 a.C.), considerados os promotores das injustiças sociais do Israel Norte.
Como aconteceu? Qual a história da instituição do Estado do Norte?
De acordo com o relato bíblico, foi no reinado desses dois reis que se deu a consolidação do Estado do Norte, com a construção da Samaria e a aliança com os fenícios, através do casamento com Jezabel, princesa da Sidônia, importante cidade do reino fenício (1Rs 16,23-34).
De um lado, a capital Samaria sobre uma montanha, situada no centro de Israel, facilita o Estado proteger e controlar todo o território e, sobretudo, a fértil região do vale de Jezrael e a rota comercial do Mar; de outro lado, a aliança com os fenícios, comerciantes por excelência da região mediterrânea (armas, artigos de luxo etc.), possibilita a expansão de Israel como Estado. As construções palacianas, com duas mil vigas, e um poderoso exército são atestados pela arqueologia.
Qual era a situação dos camponeses nessa época? Eles eram recrutados para trabalhos forçados nas construções públicas, tudo para o bem do Estado, inclusive a entrega de seus produtos agrícolas. Um dos principais meios de extração era a religião: “Acab se casou com Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios, e passou a cultuar e adorar Baal. Levantou até um altar para Baal no templo que, na Samaria, construiu para Baal. Acab erigiu também uma Aserá e insistiu em fazer o que irrita a Javé, Deus de Israel”, conforme o relato de lRs 16,31-33.
Nas antigas cidades-Estado de Canaã, como Tiro e Sidônia, existem os cultos a Baal, o deus da chuva e da fertilidade, desde os tempos mais antigos. Quando Amri faz aliança com a Fenícia, casando seu filho Acab com Jezabel, o culto a Baal e a Aserá, mulher de Baal no Antigo Testamento, é oficializado em Israel. Com o controle das divindades de fertilidade, o Estado força os camponeses a oferecer produtos aos santuários oficiais. É a religião a serviço do Estado! Prática essa que marca a história posterior de Israel, reino do Norte.
Alguns anos mais tarde, o rei Jeú (841-814 a.C.), posto e apoiado pelo rei arameu Hazael de Damasco, massacra a casa de Acab e elimina a aliança com os fenícios. Destrói o templo dedicado a Baal, e institui o culto a Javé como a divindade do Estado (2Rs 9-10). Como era de se esperar, Jeú usa a religião para dar sustentação à sua dinastia. Javé se toma a divindade oficial e recebe as mesmas características de Baal oficial. Os sacerdotes e os agentes oficiais da religião do Estado fazem o povo acreditar que Javé oficial é a divindade que garante chuva, fertilidade e fecundidade à terra. Agora, “Javé é baalizado* a serviço do Estado.
No reinado de Jeroboão II (783-743 a.C.), descendente de Jeú, o culto e a religião oficial de Javé, fomentada e praticada nos santuários estatais tais como Betei e Guilgal (Am 4,4-5), ainda exercem uma função importante no controle e exploração do povo. Nesse período, Israel retoma as fronteiras "desde Lebo-Emat até o mar de Arabá” (2Rs 14,25). Entra no comércio internacional, exportando azeite, vinho e até cavalos, especialmente para a Assíria. A agricultura se desenvolve e a população ao redor da Samaria cresce. É o tempo de maior prosperidade na história de Israel.
No entanto, essa prosperidade favorece apenas a alguns. Existe o outro lado da questão: os camponeses vivem explorados para fornecer os produtos em vista do comércio e da mordomia dos governantes.
"Ai dos que se sentem seguros no monte de Samaria, os nobres da primeira dentre as nações, aos quais recorre a casa de Israel. Deitam-se em camas de marfim. Esparramam-se em cima de sofás, comendo cordeiros do rebanho e novilhos cevados em estábulos. Cantarolam ao som da lira, inventando, como Davi, instrumentos musicais. Bebem canecões de vinho, usam os mais caros perfumes, sem se importar com a ruína de José, denuncia o profeta Amós" (Am 6,1.4-6).
Amós prossegue, afirmando que o culto a Javé nos santuários estatais é justamente para essa exploração:
“Dirijam-se a Betel, e pequem. Vão a Guilgal, e pequem ainda mais. Ofereçam de manhã seus sacrifícios, e ao terceiro dia levem seus dízimos. Ofereçam pão fermentado como sacrifício de louvor e proclamem em alta voz as ofertas espontâneas. Pois é disso que vocês gostam, filhos de Israel" (Am 4,4-5);
"Eu detesto e desprezo as festas de vocês. Tenho horror dessas reuniões. Ainda que vocês me ofereçam sacrifícios, suas ofertas não me agradarão, nem olharei para as oferendas gordas. Longe de mim o barulho de seus cânticos. Nem quero ouvir a música de suas liras. Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como torrente que não seca" (Am 5,21-24).
O dízimo cúltico, assim como outras ofertas fomentadas pelos sacerdotes, é entregue nos santuários, mas, em última instância, é para Javé oficial, no armazém do Estado. É o uso da religião oficial a serviço do Estado.
Após a morte de Jeroboão II e a ascensão da Assíria na esfera internacional, o cenário do reino do Norte muda completamente. Em Israel, formam-se duas facções: uma favorável à Assíria e uma contrária: “Efraim é uma pomba ingênua, sem inteligência: pedem ajuda ao Egito, vão à Assíria” (Os 7,11). Instala-se uma guerra civil. Em duas décadas (743-722 a.C.), seis reis ocupam o trono de Israel, dentre os quais quatro são assassinados. Intrigas, assassínios e voracidade dos conspiradores:
"O coração deles está cheio de tramóias: é como um forno. De noite sua ira dorme, de manhã se incendeia como fogueira. Todos eles ficam acesos como forno, e acabam queimando seus próprios governantes. Foi assim que caíram todos os reis, e não há ninguém que me invoque" (Os 7, 6-7).
Para manter seu trono e seus privilégios, os reis exigem do povo mais tributo, trabalho forçado e serviço militar. A exigência abusiva de tributos, por exemplo, deixa muitas famílias endividadas, o que as obriga a vender suas terras. As guerras, violências, destruições, exploração e injustiça tomam conta do cotidiano do povo:
"Há juramento falso e mentira, assassínio e roubo, adultério e violência, e sangue derramado se ajunta a sangue derramado” (Os 4,2).
A política interna e externa exige que o rei fortaleça seu próprio exército:
“Porque você confiou em seus carros e na multidão de seus guerreiros” (Os 10,13). O exército dá proteção à corte e à circulação de mercados, extrai o tributo nas casas e reprime as revoltas dos camponeses: "O ladrão invade a casa, enquanto uma quadrilha assalta do lado de fora” (Os 7,1b).
O mesmo acontece com a religião. Ela é utilizada pelo Estado como uma forma eficaz de se apropriar dos tributos. Os sacerdotes e os profetas se apropriam da religião do povo e a colocam a serviço dos interesses do Estado, incentivando inúmeros rituais de fertilidade para garantir a fecundidade do solo, das plantas, dos animais e das famílias. O profeta Oseias denuncia essa realidade:
“Ainda que ninguém acuse, que ninguém conteste, eu levanto acusação contra você, sacerdote! Você tropeça de dia, o profeta tropeça com você de noite, e você faz perecer sua própria mãe. Meu povo está morrendo por falta de conhecimento. Porque você rejeita o conhecimento, eu também o rejeitarei como meu sacerdote. Meu povo consulta um pedaço de madeira, e seu bastão lhe dá uma resposta, porque um espírito de prostituição os extravia e eles se prostituem, afastando-se do seu Deus. Vivem oferecendo sacrifícios no alto dos montes, queimando incenso sobre as colinas ou debaixo de um carvalho, de um salgueiro ou de um terebinto cuja sombra lhes agrade (Os 4,4-6.12-13).
Por meio do ensinamento e da religião, os sacerdotes e seus aliados justificam a arrecadação do tributo, a corrupção e a tirania do Estado, destruindo a nação, personificada na imagem da “mãe”. Dessa forma, o culto oficial auxilia a exploração e a sobretaxação dos camponeses, provocando a pregação dos profetas sobre o julgamento e a volta de Javé, o Deus da vida. Entre esses oráculos está Mq 6,1-8.
3.2 - Comentando o texto: Mq 6,1-8 — A prática da justiça e do amor-solidariedade
Como os demais escritos proféticos, o texto de Miqueias também recebeu acréscimos. Mq 6,1-7,7 provavelmente foi produzido no reino do Norte, Israel, e, posteriormente, acrescentado ao livro de Miqueias, por causa da semelhança na linguagem e na denúncia. O texto de Miqueias 6,1-8 é uma denúncia à falsa religião do Estado a partir da memória do Deus libertador do êxodo, tradição forte na profecia de Israel.
Inicialmente, há um chamado de atenção para escutar a Javé. E mais: montanhas e colinas são convocadas para ser testemunhas nesse processo contra o povo, costume presente nos tratados internacionais e em textos de maldição dos séculos VIII e VII a.C. Na Bíblia, as montanhas tradicionalmente são lugares da manifestação de Deus (Gn 49,26). Javé, mesmo com suas testemunhas, se manifesta e acusa seu povo de ter rompido a aliança, usando o esquema dos tratados já existentes.
Nos oráculos presentes nos capítulos 1-3, do livro de Miqueias, a categoria “meu povo” referia-se aos camponeses oprimidos e endividados: os mais fracos e desprotegidos socialmente (2,9). Neste texto, “meu povo” representa a totalidade do povo de Israel, possivelmente os opressores, que também se autointitulavam "povo de Javé”. É o próprio Javé que apresenta sua queixa contra o seu povo: “Meu povo, o que é que eu fiz contra você? Em que o maltratei? Responda-me" (6,3). Na acusação humana e comovedora, Javé apresenta sua fidelidade para com o povo, na história da aliança.
Recordar a história é uma forma de voltar às origens e perceber a ação de Deus sempre presente. Ele é o Deus fiel e libertador: “Eu fiz você subir da terra do Egito, o resgatei da casa da escravidão e mandei Moisés, Aarão e Míriam à frente de você” (6,4). É a memória do êxodo: a experiência da escravidão e libertação. Javé não é o deus explorador dos opressores, mas o Deus libertador dos pobres que está pronto para “resgatar”.
A expressão “resgatar", ou “libertar, phadhah, em hebraico, é pouco usada em textos proféticos pré-exílicos. Na profecia de Oseias, profeta do Norte, lemos: “Ai deles, fugiram de mim! Infelizes, por se revoltarem contra mim! Eu os libertaria (resgataria), mas eles dizem mentiras contra mim. Não clamam por mim em seus corações, quando gemem nos seus leitos. Para o trigo e o vinho se juntam, e se afastam de mim” (Os 7,13-14). O texto acusa Israel, que se afasta de Javé e corre atrás de diversos cultos (“trigo e vinho”). É a mesma acusação presente em Miqueias 6,7. A acusação contra a falsa religião do Estado, baseada em sacrifícios e ofertas nos santuários.
Outra memória que o texto evoca como prova da fidelidade de Javé libertador é a sua proteção durante a caminhada no deserto, especialmente o episódio de Balac e Balaão (6,5a): o rei de Moab queria que Balaão amaldiçoasse o povo de Israel, mas o profeta o abençoa segundo a ordem de Javé (cf. Nm 22-24). Ainda pede que o povo se lembre do caminho de Setim até Guilgal (6,5b). Em Setim, há uma narrativa no livro dos Números sobre a infidelidade do povo ao buscar outras divindades, provocando a ira de Javé (Nm 25,1-18). É a falsa religião que afasta Israel do Deus da vida e provoca a morte.
Depois de apresentar a memória do êxodo como prova de sua fidelidade, Javé entra no cerne da acusação: a falsa religião baseada em sacrifício e oferta nos santuários. O profeta denuncia: “Como me apresentarei a Javé? Como é que vou me ajoelhar diante do Deus das alturas? Irei a ele com holocaustos, levando bezerros de um ano? Será que milhares de carneiros ou a oferta de rios de azeite agradarão a Javé? Ou devo sacrificar o meu filho mais velho para pagar meu crime, sacrificar o fruto das minhas entranhas para cobrir o meu pecado?” (6,6-7).
Com este oráculo profético, os profetas do Norte são conhecidos por sua crítica severa contra a religião do Estado, promovida em santuários do rei. Amós, por exemplo, condena o santuário de Betei: “No dia em que eu pedir contas a Israel de seus crimes, pedirei contas pelo altar de Betei. Os chifres do altar serão quebrados e cairão por terra” (Am 3,14). O profeta condena os sacrifícios e ofertas, realizados em Betei e Guilgal, principais santuários do Estado, que oprimem e exploram os pobres camponeses (Am 4,4-5). O culto a serviço do Estado.
Javé não quer uma religião baseada somente em ritos e desligada da vida concreta. O apelo é para toda a humanidade: "Ó homem, já foi explicado o que é bom e o que Javé exige de você” (6,8a). Nesse versículo o autor não usa ‘‘meu povo” ou “Israel”, mas “’adam”, homem, indicando ser este um convite para todas as pessoas. O bom e agradável a Deus é: “praticar o direito, amar a misericórdia, caminhar humildemente com o seu Deus” (6,8b). O bom e agradável a Deus é viver a prática do amor solidário.
O pedido de Javé está dividido em três sentenças: praticar o direito: é viver a prática da justiça, não se apropriar do que pertence ao outro; não se enriquecer de maneira ilícita nem se aproveitar da situação socio-econômica e política em benefício próprio; não aceitar propina em vista de julgamentos injustos e não usar o nome de Javé para defender os interesses dos opressores; "Amar a misericórdia", o termo utilizado é hesed — é ô agir de Javé para com o seu povo empobrecido e marginalizado; “Caminhar humildemente com o seu Deus”: o ser humano é imagem e semelhança de Deus, mas não é deus, que possa assumir o seu lugar e reproduzir em sua vida o agir de Deus.
Deus não quer uma espiritualidade baseada no legalismo, mas deseja uma vivência do amor, que se manifesta em atitudes concretas. É amar os que ele ama. Esse projeto animou a ação de muitos profetas e sábios, motivou também o projeto de Jesus e deve continuar impulsionando o agir de cada pessoa cristã.
4- Aprofundando: Deus dos pobres, “Meu Deus me ouvirá” (Mq 7,7)
Não há um só fiel em nossa terra. Não sobrou um único homem justo. Está todo mundo de tocaia, cada um caça um irmão para matar! Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra sua ambição. E assim distorcem tudo. Mas, eu, eu olho confiante para Javé, espero em Deus, meu salvador, e meu Deus me ouvirá (7,2-3.7).
Os oráculos de Miqueias 6,1-7,7 registram a denúncia do grupo profético de Israel contra os crimes cometidos pelos governantes. Apresenta uma situação de violência e de corrupção generalizada no reino do Norte. Os governantes abandonam a aliança com o Deus do êxodo, gerando escravidão e morte. A infidelidade invade até a casa e as relações familiares (7,5-6).
Ao contrário, no momento de sofrimento, o povo recorre e proclama sua fé no Deus do êxodo: “meu Deus me ouvirá”. Ou seja, a fé do povo sofrido expressa: “Ouvi seu clamor diante de seus opressores, pois tomei conhecimento de seus sofrimentos” (Ex 3,7). O Deus do êxodo, Deus dos pobres, está muito presente nos oráculos proféticos: “Quando Israel era menino, eu o amei. Do Egito chamei o meu filho. E, no entanto, quanto mais eu chamava, mais eles se afastavam de mim: ofereciam sacrifícios aos Baais, queimavam incenso aos ídolos. E não há dúvida: fui eu que ensinei Efraim a andar, segurando-o pela mão. Mas eles não perceberam que era eu quem cuidava deles. Eu os atraía com laços de bondade, com cordas de amor. Fazia com eles como quem levantava até a altura do próprio rosto uma criança. Para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles” (Os 11,1-4).
O Deus do êxodo é, ao mesmo tempo, o Deus Pai e Mãe. A ternura paterna e materna de Deus é lembrada e expressa em momentos de dor e angústia do povo esmagado pelos próprios governantes: “Há juramento falso e mentira, assassínio e roubo, adultério e violência, e sangue derramado se ajunta a sangue derramado” (Os 4,2).
O grupo profético do Segundo Isaías reafirma, no tempo do exílio, esta dimensão paternal e maternal de Deus na tradição do êxodo: "Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê? Pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você. Veja! Eu tatuei você na palma da minha mão” (Is 49,15-16). Na memória do êxodo (Is 49,9b-13), o Deus Pai e Mãe conduz os exilados em seu retorno para Jerusalém. Deus dos pobres! É Deus que escuta e não abandona seu povo, “vermezinho de Jacó, bichinho de Israel” (Is 41,14).
No período pós-exílico, porém, os teocratas fortalecem e consolidam a imagem de Deus poderoso e castigador como força para manter o sistema do templo e da lei do puro e do impuro: a forma de uma pessoa impura voltar a participar do templo e da sociedade é fazer o sacrifício de purificação. O principal mecanismo de arrecadação de tributos para a teocracia de Jerusalém, que repassa uma parte ao Império Persa. A imagem de Deus Javé castigador se toma tão forte que chega até a dizer que Javé não escuta o clamor dos pobres que não têm o recurso: "Da cidade sobem os gemidos dos moribundos e, suspirando, os feridos pedem socorro e Deus não dá importância a essa infâmia” (Jó 24,12).
E, diante disso, o que o pobre pode fazer? O Salmo 22, escrito no pós-exílio, grita: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Longe da minha salvação estão as palavras de meu gemido. Meu Deus, eu clamo de dia e não me respondes” (v. 1-3). Mas a esperança teimosa dos pobres não desiste. A teimosia dos pobres em acreditar no Deus libertador persiste. O mesmo salmo termina assim: "Porque Javé não desprezou a aflição do pobre, nem epcondeu dele a sua face. Quando o pobre pediu auxílio, ele escutou” (Sl 22,25). Deus ouve o clamor dos pobres!
Enquanto os teocratas apresentam um deus oficial, poderoso, ciumento e vingativo do templo para controlar e excluir os impuros — pobres, doentes, estrangeiros —, a esperança teimosa faz os pobres afirmarem que Javé, Deus libertador e Deus dos impuros, está no meio deles: “Eu sei que o meu protetor está vivo e que no fim se levantará sobre o pó. E ainda que tenham cortado minha pele, na minha carne eu verei a Deus” (Jó 19,25-26); “Eu te conhecia só de ouvido. Mas agora meus olhos te veem” (Jó 42,5).
Ainda mais, insistem os impuros, existe, ao mesmo tempo, a ternura paternal e maternal de Deus com eles: “E eu, será que não vou ter pena de Nínive, esta cidade enorme, onde moram mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem distinguir a direita da esquerda, além de tantos animais” (Jn 4,11). O amor de Deus é incondicional, e sua misericórdia para todas as pessoas, inclusive o povo de Nínive, o símbolo de toda cidade violenta e opressora. É Deus que escuta e acolhe os impuros!
E assim acontece com Jesus de Nazaré, mais tarde na história dos judeus, que acolhe e prega Deus misericordioso dos pobres. Diante do deus poderoso e castigador do templo, pregado pela autoridade do seu tempo, Jesus apresenta o Deus dos pobres: situação de pobreza extrema: sem recursos e sem esperança. O Deus do êxodo!
b) “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado’’ (Lc 10,21). Deus dos pequenos. O Deus da vida não se encontra na observância legalista de normas e doutrina dos “sábios" autossuficientes, mas no seguimento dos “pequenos” ao amor de Deus.
c) “Pai, santificado seja teu nome, venha teu Reino; o pão nosso cotidiano dá-nos a cada dia; perdoamos os nossos pecados, pois nós também perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixes cair na tentação” (Lc 11,2-4). Rezar a Deus misericordioso e compassivo como o livro de Provérbios proclama: “Afasta de mim a falsidade e a mentira, não me dês nem riqueza nem pobreza. Concede--me apenas meu pedaço de pão” (Pr 30,8).
d) “Observem os lírios, como crescem. Não fiam nem tecem. E eu lhes digo: nem Salomão, com todo o seu esplendor, jamais se vestiu como um deles. Ora, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é jogada no forno, quanto mais não fará por vocês, tão fracos na fé” (Lc 12,27-28). É Deus paternal e maternal da gratuidade que nos impulsiona a trabalhar por uma vida digna para todas as pessoas pelo caminho da partilha solidária: “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça” (cf. Lc 12,31).
Os textos provêm do Evangelho Q, chamado também de “Evangelho da Galileia”, um conjunto de materiais comuns a Lucas e Mateus e ausente em Marcos. Possivelmente, é um evangelho composto durante a década de 40 d.C. na região ao redor do lago de Genesaré ou da Galileia. O Evangelho Q contém os ditos de Jesus que devem ser interpretados primeiro como resposta à dura realidade dos camponeses da região, sob a dominação do Império Romano.
Diante da realidade sofrida do povo, sua pobreza e insegurança, Jesus anuncia o Reino de Deus, reino do amor e da fraternidade, no qual a paz significa condições dignas de vida para todas as pessoas. Nisso, o Deus dos pobres é retomado, alimentado e pregado para que o povo se aproxime do amor de Deus por meio dos gestos de fraternidade, ou seja, vivendo o Reino de Deus.
Em outras palavras, Jesus reafirma que o Reino de Deus está no meio dos “pequenos”: “A que é semelhante o Reino de Deus? Com o que eu podería compará-lo? Ele é como uma semente de mostarda que um homem pegou e lançou em sua horta. Ela cresce, toma-se árvore e as aves do céu fazem ninho em seus ramos” (Lc 13,18-19). O Reino de Deus não deve ser um poder ostensivo, glorioso e excludente como o Império Romano e as autoridades religiosas judaicas pregam, mas se faz de modo oculto entre os pequenos e humildes. Segue-se então a presença de Deus do êxodo na caminhada de Jesus e seus seguidores: “Deus ouve o clamor dos pobres”.
Do começo ao fim, a Bíblia é um testemunho da caminhada do povo junto com Javé, o Deus dos pobres e oprimidos. Eles com teimosia recorrem e proclamam sua fé no Deus do êxodo: "meu Deus me ouvirá”. Ou seja, assim a comunidade cristã faz uma atualização do SI 22 na vida de Jesus: “Meus Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Um desespero? Não! Os seguidores de Jesus, como um grão de mostarda, devem entoar também o último versículo do Salmo: "Porque Javé não desprezou a aflição do pobre, nem escondeu dele a sua face. Quando o pobre pediu auxílio, ele escutou” (Sl 22,25).
Até os nossos dias persiste, imposta pela sociedade desumana, a realidade de pessoas injustiçadas, empobrecidas e escravizadas, de comunidades indígenas com seus direitos desprezados e quilombolas esquecidos. Fome, violência, desespero... Porém, nossa esperança teimosa nos faz afirmar que nosso Deus nos ouvirá! Como o grão de mostarda, devemos ter a força comunitária de transformar a sociedade num mundo de acolhida para os empobrecidos e excluídos — esperança e paciência histórica. Que o nosso Deus paterno e materno esteja conosco hoje e sempre. Amém!
5 - Iluminando a vida
O culto que não nos sensibiliza e não nos mobiliza para defender a justiça e a vida se torna um ritualismo vazio, pois o que agrada a Javé é a prática do direito, da justiça e a fidelidade ao seu projeto. Agradar a Deus é promover a cultura de vida diante das inúmeras ameaças de morte que atingem o nosso povo.
a) Quais são as queixas de Deus contra o seu povo hoje?
b) Como a nossa religião influencia nossa vida prática?
Deus é fiel em seu amor e sempre nos acompanha. Por comodismo ou indiferença, muitas vezes nos afastamos do projeto de Deus. O seu desejo é que pratiquemos o direito, ou seja, que vivamos a justiça. Somos chamadas e chamados a amar a misericórdia, que só se expressa em gestos de amor ao nosso próximo.
6 - Preparar o próximo encontro
Para a próxima aula, a última, ler Mq 4,1-5
7 - Bênção final
“Javé o abençoe e o guarde”. “Javé lhe mostre o seu rosto brilhante e tenha piedade de você”. "Javé lhe mostre o seu rosto e lhe conceda a paz" (Nm 6,24-26).
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